1º de Julho
“Já que não me entendes, não me julgues”
Da janela do meu quarto no Catumbi, eu olho pra vista que já virou familiar. À minha frente tem uma favela que nunca lembro o nome, são tantas que me perco nas nomenclaturas. Logo ao lado tem vários prédios, uma antena parabólica, e o céu está um azul muito escuro com uns resquícios de vermelho de final de tarde, aquele fim de tarde que só o domingo nos proporciona; a lua minguante está a me fitar, se eu olho por muito tempo consigo ver a sua silhueta, me mostrando todo o resto da sua forma que está escondido na escuridão. No ar aquela sensação de que o Rio de Janeiro inteiro está, também, sofrendo por amor. E que estamos em paz com isso.
Fito a paisagem lembrando daquele céu de Março. A paisagem era a mesma, os sentimentos, porém, diferentes. Eu estava ansiosa, num limbo onde tudo que eu queria podia se tornar realidade e também onde tudo poderia ir por água abaixo. O final é o de sempre: tudo foi por água abaixo. Mas ali naquele 4 de março eu tinha esperanças. Hoje, no dia 31 de julho, já não as tenho. Fumo o meu primeiro cigarro do dia, o terceiro dessa semana, enquanto ouço Cássia Eller cantar uma música sobre amor (“Luz dos olhos”), canto a plenos pulmões, ignorando o fato de que meus vizinhos vão ouvir. Canto também como se meu coração não tivesse esmagado no meu peito porque ele não quer mais saber de amor — ou de amar. Lembro do Cazuza, lembro de “Exagerado”, lembro do dia que pensei que essa música foi feita pra gente como eu — aquelas pessoas que sentem tudo a flor da pele; olho pro lado e vejo que o Lokinho — o gato mais lindo do mundo — está com os olhos cerrados, talvez minha fumaça tenha incomodado ele.
Então coloco Cazuza pra tocar e canto. A plenos pulmões de novo. E sofro. Sofro porque talvez seja essa a sina da minha vida: ser exagerada. Sofro porque os versos seguintes tocam num lugar muito específico:
“Eu nunca mais vou respirar
Se você não me notar
Eu posso até morrer de fome
Se você não me amar”
Sofro porque eu faria tudo isso. Sofro porque eu faria tudo de novo. Também sofro quando penso que talvez eu nunca fuja do que eu sou, que sentir demais talvez sempre espante as pessoas, que quando eu começo a ser demais seja sempre o ponto de não-retorno para mim e para os outros.
Vivo numa dicotomia escrota. Entre me reprimir porque sei que se eu mostrar o que sinto as pessoas vão sumir e entre apenas sentir o que eu sinto porque é meu direito sentir as coisas e não há nada de errado nisso. Às vezes acho que sou pequena demais pro tanto que sinto. Às vezes acho que sou grande demais por sentir. Às vezes… só não sinto.
Volto dos meus pensamentos e decido escrever, mesmo tendo a certeza que não vou conseguir traduzir em palavras o que está escondido na minha mente. Cazuza ainda está tocando. Paro de fumar. Abro o notebook. O texto que fiz para ela ainda está aberto no meu navegador. Olho pra ele, sofro mais um pouco e então começo a escrever: “Da janela do meu…”